segunda-feira, 4 de abril de 2016

TNVA

Educação de crianças com transtorno não-verbal de aprendizagem (TNVA)

Byron P. Rourke

University of Windsor (Canada)

Tradução e adaptação: Pedro Pinheiro Chagas Munhós de Sá Moreira e Vitor Geraldi Haase.


Introdução

O presente programa de tratamento tem por objetivo auxiliar os cuidadores e os profissionais de saúde e educação para promover a funcionalidade de crianças portadoras de transtorno não-verbal da aprendizagem (TNVA).

O TNVA é um transtorno do desenvolvimento, caracterizado pela coexistência de baixo desempenho acadêmico e dificuldades nas habilidades sociais, visoespaciais, visoconstrutivas e motoras. As crianças portadoras de TNVA geralmente se apóiam nas habilidades verbais para a resolução de problemas de qualquer natureza, uma vez que tais habilidades encontram-se preservadas.

Segue abaixo, portanto, as recomendações que compõem o programa de tratamento.


1. Observe, de perto, o comportamento da criança, especialmente em situações novas e complexas.

Os cuidadores devem se preocupar em observar o que a criança faz e desconsiderar o que a criança diz. Isto deve ajudar os pais, os terapeutas e os professores a desenvolver uma melhor apreciação dos potenciais déficits adaptativos e adequar seus próprios modelos de intervenção com o a criança. Uma das mais freqüentes críticas dos programas de intervenção com crianças portadoras de TNVA é que as autoridades que se responsabilizam pelas intervenções não são conscientes da extensão e significado dos déficits das crianças. Através de uma observação direta sob essas condições, torna-se necessário que a criança participe de um programa de intervenção sistemático e bem coordenado.

Exemplos. O terapeuta pode orientar os cuidadores para que observem o comportamento da criança durante brincadeiras com outras crianças; pode filmar tais interações ou os comportamentos solitários na sala de aula; pode explicar os resultados das normas de escalas de comportamento social.


2. Adote uma atitude realista

Uma vez que esteja estabelecido que o comportamento da criança não é adaptativo, particularmente em situações novas e complexas, o cuidador deve ser realista na avaliação do impacto das habilidades neuropsicológicas da criança (linguagem e memória), bem como dos déficits (processamento visoespacial e visoconstrutivo). Na sala de aula, por exemplo, deve-se ter em mente que a capacidade bem desenvolvida da criança no reconhecimento de palavras e nas habilidades de ortografar não são suficiente para que a criança se beneficie dos diversos modos, formais ou informais, de instrução, especialmente naqueles assuntos que requerem habilidades visoespaciais, visoconstrutivas e de soluções não-verbais de problemas. Sendo assim, existem somente duas alternativas educacionais: adotar procedimentos especiais para a utilização de materiais que requerem as habilidades visoespaciais, visoconstrutivas e de soluções não-verbais de problemas, ou então evitar completamente tais materiais.


3. Ensine a criança de uma maneira sistemática, isto é, passo-a-passo.

Sempre que possível, utilize uma abordagem de ensino verbal indutiva, ou seja, do singular para o geral. Os terapeutas e os professores devem tomar nota de que, se for possível falar de uma idéia, conceito ou procedimento de uma maneira direta, a criança deve ser capaz de compreender pelo menos alguns aspectos do material. Por um outro lado, se não for possível traduzir em palavras uma descrição adequada do material a ser apreendido (como o conceito de explicação do tempo) será provavelmente muito difícil para que uma criança com TNVA se beneficie das instruções.

Deve-se ter em mente que a criança aprenderá melhor quando cada passo verbal é apresentado na seqüência correta, devido às dificuldades da criança na resolução de problemas e na organização perceptiva com materiais novos (mesmo novidades lingüísticas). Um benefício secundário desta abordagem de ensino é que a criança pode ser fornecida com uma série de regras verbais, que podem ser escritas e posteriormente reaplicadas sempre que o seu uso for apropriado. Isto é particularmente importante para o ensino das operações e procedimentos aritméticos mecânicos.

O principal entrave para o engajamento nesse procedimento de ensino é a impressão errônea dos cuidadores de que a criança irá se adaptar facilmente. Isto aumenta a possibilidade de que o cuidador comece o programa a partir de um nível que é muito sofisticado para a criança. A criança com TNVA, por um outro lado, tende a responder mais eficientemente a uma abordagem que seja lenta, repetitiva e altamente redundante.


4. Encoraje a criança a descrever detalhadamente eventos que acontecem em sua vida.

Esta recomendação aplica-se não somente durante as sessões de ensino, mas também em qualquer situação na qual a criança não pareça entender completamente o seu comportamento ou o comportamento dos outros. Por exemplo, quando acontece um incidente no pátio da escola, no qual a criança encontra dificuldades interpessoais, o terapeuta deve pedir para a criança explicar detalhadamente os eventos que ocorreram e a sua percepção das causas do incidente e de seus efeitos. O cuidador deve encorajar a criança para focar nos aspectos relevantes da situação e apontar as irrelevâncias que surgiram. Através da discussão, a criança deve ser ajudada a tornar-se consciente das discrepâncias entre as suas próprias percepções e as dos outros. Nas situações de ensino, uma técnica útil é encorajar a criança para re-ensinar o professor, terapeuta ou ainda outra criança, o procedimento ou conceito que ela aprendeu. Isto ajudará a aumentar a probabilidade de que a criança entendeu, analisou e integrou, de fato, as informações necessárias e que irá aplicá-las em situações futuras.


5. Ensine à criança estratégias apropriadas para lidar com situações problemáticas que ocorrem com periodicidade diária.

Em vários casos, crianças com TNVA não conseguem desenvolver estratégias de resolução de problemas, de uma forma independente, porque elas não têm consciência das reais exigências da situação. Em outros casos, as crianças podem ser incapazes de desenvolver estratégias apropriadas, porque este tipo particular de tentativa requer competências neuropsicológicas básicas que a criança não desenvolveu. Devido a essas razões, tais crianças precisam aprender estratégias apropriadas para lidar com as exigências das situações problemáticas, que ocorrem frequentemente. O professor ou terapeuta descobrirá que as exigências passo-a-passo, para ensinar crianças com TNVA, são muito similares àquelas que seriam empregadas efetivamente em crianças muito mais novas. Mais uma vez, deve-se enfatizar que o erro mais freqüente cometido pelos cuidadores em tais situações é superestimar as capacidades das crianças com TVNA a aprender e aplicar soluções adaptativas e técnicas de enfrentamento na resolução de problemas.


6. Encoraje a generalização dos conceitos e estratégias aprendidas.

Embora a maioria das crianças normais compreenda como uma estratégia ou procedimento particular podem ser aplicados em diferentes situações, ou como certos conceitos podem ser generalizados a uma série de tópicos, a criança com TNVA usualmente apresenta dificuldades com essas formas de generalização. Por exemplo, é comum encontrar crianças com TNVA que foram treinadas assiduamente para melhorar as habilidades de atenção e busca visual, no laboratório ou em um ambiente terapêutico, que encontram dificuldades para empregar tais habilidades efetivamente no dia-a-dia. É importante destacar que as habilidades de transição e de generalização também devem ser ensinadas de uma maneira passo-a-passo, para as crianças com TNVA.

Relacionado a essas dificuldades, o déficit no julgamento de relações de causa-e-efeito é muito comum. Por exemplo, a criança pode não ser capaz de reconhecer que exista uma conexão causal entre pressionar o interruptor de luz e o acendimento da luz. A maioria das pessoas que não são familiarizadas com o TNVA não consegue reconhecer que tais relações devam ser muito bem explicitadas para que a criança com TNVA consiga aprender.


7. Ensine a criança a refinar e utilizar apropriadamente suas habilidades verbais.

Tal como foi mostrado antes, é muito comum que crianças com TNVA utilizem de habilidades verbais muito mais frequentemente e para muito mais propósitos do que crianças normais. Por exemplo, crianças com TNVA podem fazer perguntas repetitivamente como fonte primária de colher informações sobre situações novas e complexas. Isto pode ser bastante inapropriado em algumas situações, especialmente em situações de natureza social, nas quais comportamentos não-verbais são muito mais importantes para a direção e o feedback.

O conteúdo das respostas verbais das crianças com TNVA também pode ser problemático. Uma observação comum é de que essas crianças podem começar respondendo diretamente à pergunta, mas irem gradualmente mudando para um tópico completamente diferente. No final das contas, tal comprometimento acaba alienando o ouvinte da conversa. Treinamentos específicos devem ser aplicados para que a criança passe a compreender perfeitamente “o que dizer”, “como dizer” e “quando dizer” nas várias situações de sua vida, principalmente nas áreas mais deficitárias. Como nas outras formas de intervenção, entretanto, as crianças podem ter dificuldades de generalizar os treinamentos às situações de seu cotidiano.

Por essas e outras razões, é usualmente necessário investir tempo e esforço consideráveis no treinamento da criança para parar, olhar, ouvir e levantar alternativas, mesmo em situações aparentemente de fácil compreensão. A dificuldade de antecipação das conseqüências de suas ações frequentemente faz com que crianças com TNVA acabam entrando em situações nas quais é bem provável que sofram danos físicos ou psicológicos. A tendência usual é de evitar essas situações, depois de repetidas falhas. O papel do cuidador é ajudar a criança a lidar efetivamente com essas situações, e não encorajar a tendência da criança a evitá-las definitivamente.


8. Ensine a criança a fazer melhor uso das suas habilidades visoespaciais e visoconstrutivas.

Tendo em vista que crianças com TNVA apresentam dificuldades nas habilidades visuoespaciais e visoconstrutivas, mas relativa preservação das habilidades verbais, elas tendem a se apoiar nestas habilidades sempre que possível, mesmo quando inapropriado. Tal comportamento reforça a situação na qual as habilidades pouco desenvolvidas não são exercitadas, portanto o desempenho ótimos nas atividades não é alcançado.

Para aprimorar as habilidades visoespaciais, visoconstrutivas e analíticas, uma criança nova com TNVA pode ser ensinada a nomear detalhes visuais em figuras, como forma de encorajá-la a prestar atenção nestes detalhes. Em conjunção com esse exercício, a criança pode ser questionada a explicitar a relação entre os vários detalhes de uma figura, como forma de chamar a sua atenção para a complexidade, importância e significado das qualidades visuais dos estímulos apresentados.

Quando a criança é mais velha, os exercícios devem ser mais funcionais ou praticados no contexto da vida diária. Por exemplo, a maioria das interações sociais requer que a criança decifre os comportamentos não-verbais dos outros, para que ela possa interpretá-los corretamente. É evidente o comprometimento das crianças com TNVA no que diz respeito às habilidades que são cruciais para o desenvolvimento de comportamentos analítico-sociais corretos. Dessa forma, o cuidador pode criar situações sociais artificiais que requerem que a criança se apóie nas suas habilidades não-verbais para a interpretação. Isto pode ser realizado com figuras, filmes, ou em situações reais nas quais não esteja disponível feedbacks verbais. Após um desses exercícios, o cuidado pode discutir a percepção e o papel mais adequado da criança em relação às situações. Ao mesmo tempo, o cuidador pode auxiliar a criança com estratégias para que ela possa decifrar as dimensões não-verbais mais salientes inerentes em tais situações.


9. Ensine a criança a interpretar informações visuais, quando houver informações auditivas presentes.

Treinar a criança a focar nos estímulos visuais quando estiverem disponíveis estímulos auditivos é usualmente mais complexo do que as outras intervenções propostas. Esta recomendação é particularmente importante no ensino da criança em lidar mais efetivamente com situações sociais novas. Nesses casos, é importante não apenas interpretar corretamente os comportamentos não-verbais dos outros, mas também interpretar o que está sendo dito em conjunto com essas pistas não-verbais. Na maioria dos casos, esse tipo de treinamento só deve ser empregado quando houver progresso nas áreas previamente mencionadas.

Exemplo. O cuidador pode pedir que a criança observe interações sociais filmadas que contenham vários níveis de complexidade no que diz respeito à relações físicas e psicológicas de causa-e-efeito. A criança pode ser encorajada a examinar toda a situação disponível antes de propor uma solução para o problema ou antecipar o próximo passo durante a seqüência de ações.


10. Ensine comportamentos não-verbais apropriados.

Muitas crianças com TNVA não parecem ter desenvolvido comportamentos não-verbais adequados. Por exemplo, essas crianças frequentemente apresentam um “olhar vazio” ou outras expressões faciais inapropriadas. Isto é especialmente verdade no caso de indivíduos que exibem déficits neuropsicológicos acentuados. Uma criança com TNVA pode sorrir em momentos inapropriados, por exemplo, quando ela falha em uma tarefa. É importante procurar ensinar comportamentos não-verbais mais apropriados, tendo em vista os conceitos introduzidos em associação com os refinamentos das habilidades expressivas verbais da criança. Sendo assim, ensinar a criança “o que dizer”, “como dizer” e “quando dizer” deve ser o foco de preocupação. Por exemplo, algumas crianças podem não saber como e quando traduzir seus sentimentos de uma maneira não-verbal. A utilização de figuras informativas, exercícios de imitação e outras técnicas e suportes concretos podem ser extremamente interessantes neste tipo de treinamento. Esse tipo de intervenção pode ajudar a criança a se atentar mais ao significado dos comportamentos não-verbais dos outros.

Exemplo. O cuidador pode encorajar o desenvolvimento de mímica, limitando a comunicação entre ele e a criança, durante pequenos períodos do dia, à formas não-verbais. Pode, também, encorajar a criança a interpretar a comunicação mímica de outros, sejam elas filmadas ou em tempo real. Embora a criança com TNVA pode inicialmente ter muita dificuldade nessas atividades, manter um programa que envolve períodos regulares de comunicação não-verbal pode ser bastante efetivo para se atingir metas adaptativamente válidas.


11. Facilite interações em grupos estruturados de pares.

Não é sempre possível promover treinamentos sociais em situações contextualizadas, devido ao fato de que o alcance do terapeuta ou professor é mínimo. Por exemplo, quando uma criança está brincando no pátio da escola, não é sempre possível regular sua brincadeira, de uma maneira que promova seu crescimento no desempenho das interações sociais. Atividades em lugares fechado, como clubes e comunidades grupais formais, entretanto, podem proporcionar um fórum para treinamento social, caso sejam exploradas corretamente. Infelizmente, tendo em vista o incomodo social que algumas crianças com TNVA apresentam, elas podem não ser encorajadas a participar de tais atividades, porque os cuidadores tendem a privá-las de tais encontros, como forma de proteção.

Tal situação levanta a questão da superproteção. Embora os cuidadores mais sensíveis sejam acusados de superprotejer a criança, eles podem ser os únicos que saibam das vulnerabilidades da criança e de suas habilidades mal desenvolvidas. Equilibrar a necessidade de proteção com a necessidade de expandir os horizontes e encontros com a realidade física e social não é fácil. O primeiro e principal passo é entender que o exercício da prudência pode auxiliar nessa dificuldade.


12. Promova, encoraje e monitore sistematicamente atividades exploratórias.

Uma das principais falhas que um terapeuta pode cometer no acompanhamento de uma criança com TNVA é deixar a criança se envolver sozinha em atividades que possuam pouca estruturação, por exemplo, em situações de brincadeiras com outras crianças. Por outro lado, é bastante recomendável que se desenvolva atividades específicas nas quais a criança seja encorajada a explorar seu ambiente. Por exemplo, a atividade exploratória pode ser encorajada juntamente com um programa estruturado de coordenação motora grossa. Dessa forma a criança pode ser exposta a uma oportunidade de explorar vários tipos de aparatos e exercícios que se encaixam em cada aparato. Nesta situação, é importante que a criança não sinta que está competindo com seus pares. Adicionalmente, seguindo a lição, a criança deve ser requerida a dar feedbacks verbais ao instrutor, em relação às atividades que ocorreram.


13. Ensinar a criança como utilizar suportes adequados à idade para atingir metas específicas.

Um suporte potencial para crianças com TNVA mais velhas é uma calculadora de mão, que possa ser utilizada para que a criança confira a exatidão de seu trabalho aritmético mecânico. Caso a solução com lápis e papel de uma operação matemática for corretamente identificada, por meio da calculadora, como errada, a criança deve ser encorajada a repetir o cálculo com lápis e papel. Para adolescentes e adultos jovens, a utilização da calculadora deve ser feita sempre que possível, para que os indivíduos desenvolvam, ao menos, uma capacidade funcional de operações matemáticas comuns e suas aplicações do cotidiano.

Outro suporte que pode ser utilizado, especialmente para crianças mais novas, é um relógio digital. Muitas crianças com TNVA apresentam dificuldades em ler as horas em relógios de ponteiro, o que dificulta o desenvolvimento de conceitos relacionados ao tempo. Um relógio digital pode servil como um instrumento concreto para o ensino de conceitos elementares relacionados ao tempo.

Deve-se explorar o vasto potencial dos computadores, como instrumentos terapêuticos. Programas que proporcionem feedbacks corretivos úteis e apropriados para dificuldades acadêmicas; de uma maneira passo-a-passo, por meio de várias formas de situações quase-sociais e de resolução de problemas, são formas criativas da utilização de software, para o benefício de crianças e adolescentes portadores de TNVA.


14. Ajude a criança a desenvolver insight em situações que sejam fáceis e, também, potencialmente problemáticas para ela.

É importante, para crianças mais velhas e adolescentes com TNVA, que aprendam a reconhecer, de uma maneira realística, as suas capacidades. Dessa forma, as expectativas do terapeuta sempre devem estar em coerência com as habilidades das crianças, tendo em vista que os ganhos nessa área são marginais, na melhor das hipóteses. Por exemplo, a prática do insight da criança pode limitar-se a “Eu sou boa em ortografar, e tenho problemas com matemática”. Entretanto, caso a criança seja fornecida, por adultos informados, com feedbacks consistentes e apropriados, no que diz respeito ao seu desempenho em vários tipos de situações, insights mais sofisticados podem ser desenvolvidos. Isto é especialmente importante no que concerne à utilização de estratégias previamente aprendidas em situações apropriadas. Adicionalmente, isto é importante para que crianças portadoras de TNVA aprendam que possuem habilidades cognitivas mais desenvolvidas e que essas habilidades podem ser empregadas para aprimorar seu desempenho em situações específicas.


15. Trabalhe com todos os cuidadores, para ajudá-los nas mais salientes necessidades desenvolvimentais da criança.

Todas as recomendações que foram feitas previamente podem ser incorporadas por todos os cuidadores, durante suas interações com as crianças portadoras de TNVA. Infelizmente, não é sempre que um contrato entre o cuidador e a criança é bem estabelecido. Consequentemente, faz-se necessário que o profissional responsável pelo acompanhamento da criança portadora de TNVA assuma a responsabilidade majoritária para aconselhar seus cuidadores. Em alguns casos, é necessário que o profissional utilize um programa bem estruturado para o treinamento dos cuidadores.


16. Outras recomendações educacionais.

Segue abaixo outras recomendações referentes ao domínio educacional, para crianças com TNVA:

a. Ensine e enfatize as habilidades de compreensão da leitura, logo quando a criança for capaz de compreender a correspondência grafema-fonema.
b. Estabeleça rotinas regulares na educação da criança para facilitar o desenvolvimento de suas habilidades de escrita.
c. Antes de uma tarefa de cópia, ensine a criança a analisar cuidadosamente o material a ser copiado.
d. Ensine a criança estratégias verbais que irão ajudá-la a organizar o trabalho escrito.
e. Ensine aritmética mecânica de uma maneira sistematizada, verbal e passo-a-passo.
f. Envolva bastante a criança em atividades físicas educacionais. Deve-se ter em mente que todo aprendizado motor é difícil, mas extremamente necessário para crianças portadoras de TNVA.

Tendo em vista que crianças portadoras de TNVA são capazes de aprender a decodificar palavras e soletra-las sem atenção educacional especial, é recomendável substituir, por atividades físicas, alguns momentos de exercícios verbais, durante as aulas.


17. Conscientizar-se do papel do terapeuta na preparação da criança portadora TNVA para a vida adulta.

Educadores especiais, particularmente, devem assumir o papel majoritário em preparar a criança portadora de TNVA para a vida adulta. Diferentemente da maioria dos programas educacionais, nos quais a meta primária é ajudar a criança a aprimorar particularmente o currículo acadêmico, o programa necessário para crianças com TNVA deve ser direcionado principalmente a desenvolver a pragmática da vida. O aprimoramento do currículo acadêmico é insignificante, caso a criança não seja preparada para lidar bem com demandas sociais ou que requerem comportamentos adaptativos, na sua vida independente. É observado, por meio de levantamentos longitudinais, que crianças algumas portadoras de TNVA tendem, quando adultas, a desenvolver formas graves de psicopatologias. Portanto, torna-se evidente que as intervenções com essas crianças sempre devem estar em consonância com suas necessidades imediatas ou de longo prazo e com suas capacidades.
Referência: Rourke, B. P. (1995). Treatment program for the child with NLD. In B. P. Rourke (Org.) Syndrome of nonverbal learning disabilities. Neurodevelopmental manifestations (pp. 497-508). New York: Guilford.

Transtorno não-verbal de aprendizagem: implicações para a educação na síndrome de Williams


A maioria das condições clinicas de origem genética, tais como a síndrome de Williams, se caracteriza por uma enorme variabilidade de manifestações. Um perfil neuropsicológico relativamente típico é frequentemente observado na síndrome de Williams. Mas nem todos os indivíduos afetados apresentam as manifestações características. A variabilidade fenotípica exige que o planejamento educacional dos indivíduos afetados seja informado por uma investigação neuropsicológica do perfil de habilidades preservadas e habilidades comprometidas.

 A inteligência é muito variável, mas a maioria dos indivíduos apresenta um quadro de deficiência mental leve. Somente cerca de 5% apresentam deficiência mental de moderada a grave. Em torno de 10% dos portadores têm inteligência normal. Uma vez que a síndrome é pouco reconhecida, o número de indivíduos afetados com inteligência normal deve ser muito maior.

É muito comum que as pessoas afetadas com melhor funcionamento intelectual apresentem um perfil neuropsicológico correspondente ao chamado transtorno não-verbal de aprendizagem (TNVA). Ao qual se acrescenta um colorido típico da síndrome de Williams. O TNVA é uma condição clinica heterogênea muito discutida, mas extremamente importante do ponto de vista educacional. O termo TNVA surgiu a partir da identificação de crianças com dificuldades de aprendizagem que apresentavam uma discrepância nos testes de inteligência, sendo o QI verbal maior do que o QI de execução. O perfil discrepante é encontrado nos indivíduos com inteligência mais alta.

O TNVA é caracterizado por um perfil de processos neuropsicológicos preservados e comprometidos. Entre as funções preservadas estão alguns aspectos da linguagem oral e escrita. Pode haver dificuldades iniciais na aquisição da linguagem oral, mas estas são geralmente compensadas e se observa um desenvolvimento bastante adequado do vocabulário, bem como ausência de maiores dificuldades fonológicas e sintáticas. Também não são observadas dificuldades nas etapas iniciais de alfabetização. A leitura de palavras isoladas, que depende de processos de correlação grafema-fonema, pode ser aprendida. Na síndrome de Williams podem ser também preservadas determinadas funções visuais de natureza analítica, tais como o reconhecimento de faces. Outro domínio no qual os indivíduos com síndrome de Williams levam vantagem diz respeito às habilidades musicais. O interesse musical é bastante desenvolvido e muitos indivíduos apresentam ouvido absoluto. Os processos neuropsicológicos mais frequentemente comprometidos são:

1)      Coordenação motora: Os portadores de síndrome de TNVA podem apresentar tanto incoordenação motora de origem cerebelar quanto alterações posturais de origem extrapiramidal.  Estas crianças são descritas como desajeitadas, têm dificuldades com a caligrafia e frequentemente recebem o diagnóstico de transtorno do desenvolvimento da coordenação motora;
2)      Habilidades visoespaciais e visoconstrutivas: Podem ser observadas dificuldades de orientação geográfica e de discriminação de relações espaciais, apreensão de configurações espaciais globais, bem como no desenho, construções bi- e tridimensionais e raciocínio mecânico;
3)      Aritmética: As dificuldades com a aprendizagem da matemática constituem uma das principais características do TNVA. A natureza das dificuldades de aprendizagem da matemática na síndrome de Williams ainda não está suficientemente esclarecida, mas há evidências de comprometimento do senso numérico e das habilidades visoespaciais;
4)      Inferências não-verbais: As pessoas com TNVA pode ser descritas como pouco intuitivas. Ou seja, têm dificuldades para aprender com a experiência, para generalizar de um contexto para outro. Principalmente quando a tarefa não é situada em um contexto verbal explícito. É como se o indivíduo necessitasse de um “manual de instruções” para decodificar as situações mais informais que não são precisamente rotuladas ou verbalmente descritas. As dificuldades inferenciais se refletem, entre outros domínios, em problemas com a interpretação de textos, a qual exige capacidade de fazer inferências e de interpretar significados não-literais, incorporando conhecimento de mundo ao contexto atual;
5)      Habilidades sócio-cognitivas: As dificuldades nos processos inferenciais não-verbais fazem que muitos indivíduos com TNVA apresentam enormes dificuldades nas interações sociais. Estas crianças podem ser descritas como socialmente desajeitadas. Algumas são tímidas, mas outras podem parecer socialmente inadequadas. As dificuldades sócio-cognitivas podem ser caracterizadas como um transtorno semântico-pragmático. Muitas vezes se observa na síndrome de Williams uma preferência por vocabulário raro, abstrato e rebuscado, sem que haja uma compreensão adequada dos termos empregados. As dificuldades pragmáticas se caracterizam por déficits na capacidade de levar em consideração as necessidades do interlocutor, havendo dificuldades para respeitar a troca de turnos e de adequar o discurso ao contexto. Na síndrome de Williams isto se manifesta frequentemente sob a forma de loquacidade e um discurso repetitivo e empobrecido de conteúdo. A hipersociabilidade que também se observa na síndrome de Williams pode decorrer das dificuldades de integrar informações não-verbais ao contexto dos relacionamentos.

O termo TNVA foi proposto pelo neuropsicólogo canadense Byron Rourke (http://www.nld-bprourke.ca) e, como foi mencionado anteriormente, sua própria existência é muito discutida. O maior problema é a heterogeneidade. O perfil tipo TNVA caracteriza diversas síndromes genéticas, podendo ser mencionadas entre as mais comuns além da síndrome de Williams, a síndrome de Turner, a síndrome do sítio frágil no cromossoma X em meninas, a síndrome velocardiofacial, a hidrocefalia congênita precocemente tratada etc. Um quadro neuropsicológico similar ao TNVA é observado também na embriopatia alcoólica. Além de as diferenças entre uma síndrome e outro serem muito grandes, a variação dentro de cada uma destas síndromes também é considerável. Qual é então a serventia do diagnóstico TNVA?

A variabilidade é uma característica fundamental dos processos biopsicossociais. Categorias diagnósticas constituem sempre esforços artificiais de ordenar fenômenos complexos com vistas a orientar o processo de tomada de decisão. A categoria TNVA pode ser compreendida como uma tentativa de encontrar um denominador comum a várias constelações sintomáticas frequentemente observadas em neuropsicologia. O mérito maior do rótulo TNVA diz respeito às suas implicações clínicas e, principalmente, educacionais.

O perfil discrepante entre habilidades comprometidas e preservadas no TNVA e na síndrome de Williams é uma causa comum de avaliações irrealistas quanto à capacidade dos indivíduos afetados. Como a linguagem é superficialmente normal, familiares e educadores podem superestimar a capacidade real do individuo. A partir de uma avaliação irrealista da inteligência podem surgir expectativas inadequadas de desempenho, acarretando estresse, frustração e sofrimento para os envolvidos. A dificuldade em estimar realisticamente o potencial do individuo pode também fazer com que pais e educadores oscilem entre expectativas demasiadamente altas ou baixas. Ambas atitudes que não favorecem o desenvolvimento da crianças. Se as expectativas excessivas causam estresse na criança e desamparo nos pais e educadoras, a falta de expectativas reduz o investimento na criança afetada.

O papel das dificuldades sócio-cognitivas costuma, por outro lado, ser negligenciado. A aprendizagem escolar, principalmente a partir de uma perspectiva construtivista, depende de modo crucial da intuição e da habilidade de interação. Como já vimos, as crianças e adolescentes com TNVA são pouco intuitivos e têm dificuldades na interação social. Estes indivíduos pouco se beneficiam de situações mais informais de aprendizagem, nas quais precisam intuir ou construir um contexto a partir da interação social com colegas. A aprendizagem dos portadores de TNVA se beneficia de contextos mais estruturados e de métodos de instrução formal e verbal explícita, que levem em consideração a natureza das dificuldades do aluno.

Os grandes objetivos da educação de pessoas portadoras de necessidades especiais são a promoção da autonomia funcional e a inclusão social. Mas os caminhos para a autonomia e a inclusão são múltiplos. Uma via importante é a experiência de normalização, de convivência e participação social em ambientes nos quais as crianças e os jovens com deficiências neuropsicológicas possam conviver com pares apresentando desenvolvimento típico. Mas só a convivência com crianças e jovens típicos não basta. Por vezes ocorre o efeito contrário. Um efeito colateral da inserção em classes e escolas regulares sem supervisão profissional adequada decorre dos déficits de habilidades sociais. Além de pouco se beneficiarem de situações informais de aprendizagem, as crianças e jovens socialmente desajeitados podem ser vítimas de rejeição e chacota, contribuindo para diminuir sua auto-estima e motivação para a aprendizagem.

A educação de pessoas portadoras de necessidades especiais requer o planejamento e implementação de um currículo individualizado, considerando o perfil de pontos fortes e pontos fracos do aprendiz. Uma investigação neuropsicológica constitui-se em uma oportunidade para traçar o perfil de funcionamento do indivíduos em diversos domínios, contribuindo para que pais e educadoras construam um perfil mais realista das potencialidades e dificuldades do indivíduo. A caracterização do indivíduo como portador de TNVA e o conhecimento das implicações educacionais desta entidade permitem a seleção de estratégias educacionais mais adequadas e eficientes.

A avaliação neuropsicológica é tão mais importante quanto maior for o nível intelectual do indivíduo. Em casos de deficiência mental moderada a grave, o perfil neuropsicológico é mais homogêneo. As discrepâncias entre os diversos domínios do funcionamento aumentam à medida que a inteligência aumenta. É nestes casos com perfil discrepante de desempenho que uma avaliação neuropsicológica se torna fundamental com o intuito de orientar o processo educacional.

O diagnóstico de portadores de síndrome de Williams com inteligência normal é um dos maiores desafios para a neuropsicologia. O reconhecimento de casos com inteligência normal é importante porque o prognóstico é melhor, mas estes indivíduos apresentam dificuldades de aprendizagem as quais precisam ser atendidas. Entre outras muitas funções, entidades como a Associação Brasileira da Síndrome de Williams desempenham um papel fundamental na divulgação de conhecimentos e incentivo à pesquisa sobre as síndromes genéticas. O aumento do reconhecimento destas entidades permite a formulação de diagnósticos mais precisos, a formulação de um plano educacional mais realista e mais eficiente, melhorando assim o prognóstico.


Vitor Geraldi Haase
Médico
Professor titular
Departamento de Psicologia, UFMG
Email: vghaase@gmail.com

Lívia de Fátima Silva Oliveira
Psicóloga
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente
Faculdade de Medicina, UFMG

Transtorno do Aprendizado Não-Verbal (TANV)
O Transtorno de Aprendizado não- Verbal (TANV) é um tipo específico de transtorno de aprendizado, pouco divulgado e não reconhecido pelos critérios do DSM-5 e, assim, carente de estudos epidemiológicos. É um transtorno neurológico crônico, provavelmente resultante de uma alteração nas funções cognitivas do hemisfério cerebral direito, e que resulta em déficits significativos nos domínios cognitivo, social, emocional, psicomotor, espacial, tátil e visual, com grandes repercussões na aprendizagem e características que o tornam complexo no seu diagnóstico e intervenção. Segundo Rourke (1995) e Togenson (1993), esse transtorno atinge 1 em cada 10 crianças com problemas de aprendizagem ou 1% da população geral (Pennington, 1999).
As primeiras descrições do TANV foram feitas por Jonson & Myklebust (1971). Estes autores descreveram um grupo de crianças com dificuldades para compreender o significado do contexto social e com pouca habilidade para o aprendizado acadêmico. Estas dificuldades manifestavam-se por: problemas para a interpretação de gestos, expressões faciais e outros elementos comunicativos não verbais habituais. É uma síndrome que se caracteriza por déficits primários na percepção táctil e visual, coordenação motora e na capacidade para lidar com material ou com circunstâncias novas. Em conseqüência, aparecem dificuldades no aprendizado (memória táctil e visual) e em funções executivas (formação de conceitos, resolução de problemas, raciocínio abstrato e velocidade de processamento da informação), o que resulta em dificuldades acadêmicas e socioemocionais. Para entender o perfil neurocognitivo destas crianças é preciso prestar atenção, não só aos seus déficits, mas também às suas habilidades preservadas. Visto que a função do hemisfério esquerdo não está afetada, preserva-se à percepção, atenção e memória por via auditiva, especialmente para o material apresentado por via auditiva, e as habilidades motoras simples. Assim, certas habilidades acadêmicas não só estão presentes, mas podem até serem superiores. Estes padrões característicos de déficits e habilidades preservadas evidenciam-se em outros aspectos da aprendizagem formal acadêmica; Por ex, obtém bom rendimento para a leitura de palavras simples e na ortografia, mas apresentam dificuldades em matérias como ciências e aritmética. As deficiências presentes na percepção social, juízo e habilidades de interação social são também conseqüência dos déficits neuropsicológicos, predispondo-os a problemas emocionais. Algumas das áreas de maior preocupação são os problemas sociais e emocionais, resultantes das dificuldades no processamento espacial e informações não verbais, provocando falhas e má interpretação dos sinais sociais sutis vinculados a comunicação não-verbal. Assim, as crianças com TANV têm dificuldade para compreender as expressões faciais, gestos e tons de voz, podendo resultar em isolamento social. Algumas crianças tentam compensar seu isolamento social interagindo unicamente com adultos, devido às suas habilidades verbais preservadas e, às vezes, superiores às crianças de sua idade. Do ponto de vista acadêmico, portadores do TANV apresentam dificuldades na compreensão da leitura, nos conceitos matemáticos, na resolução de problemas, na teoria e nos conceitos científicos. Os conceitos são facilmente entendidos quando concretos, objetivos e simples, mas quando começam a requerer a análise e integração mais complexa, o entendimento fica comprometido. Apesar das dificuldades nestas áreas, apresentam habilidades preservadas na decodificação da leitura e memória verbal. Alguns são leitores fluentes e dominam um extenso vocabulário. Outras características clínicas, de acordo com Sennyey, Capovilla e Montiel (2008), são: problemas de organização viso-espacial (não conseguem distinguir rapidamente as diferenças entre formas, tamanhos, quantidades e comprimentos e apresentam dificuldade em calcular distâncias); déficits na coordenação motora, sobretudo as de motricidade fina e equilíbrio (dificuldade, por exemplo, para aprender a andar de bicicleta, para amarrar os cadarços dos sapatos e com atividades esportivas); dificuldades em compreender ou julgar situações sociais; dificuldades em compreender linguagem corporal e expressões faciais; dificuldades em se ajustar a situações novas e complexas; déficits aritméticos e na compreensão de leitura; fala repetitiva, com entonação e modulação do volume pobre; dificuldades na formação de conceitos complexos; Apesar de haver motivação para a interação social, os portadores apresentam comprometimento das habilidades básicas necessárias para sustentação das relações interpessoais. A severidade do quadro será determinada de acordo com a intensidade dos sintomas, ou seja, graus dentro de um espectro de intensidade.
ETIOLOGIA
O TANV parece ser uma síndrome neurológica resultante de um dano ou déficit funcional das conexões da substância branca do Hemisfério Cerebral Direito (HCD), importantes para a integração intermodal. Rourke (2002) propôs o primeiro modelo etiológico, baseado na avaliação neuropsicológica, mostrando uma discrepância entre o HCD e o Hemisfério Cerebral Esquerdo (HCE) em crianças portadoras do TANV. Em um estudo de Rourke (1998), postulou-se que as conexões cortico-subcorticais da substância branca poderiam ser importantes para a manutenção das funções do HCD, demonstrado por exames de neuroimagem de pacientes com TANV que apresentavam anomalias sutis da substância branca cerebral.
Manifestações Clínicas do TANV durante o Neurodesenvolvimento
Nos primeiros anos de vida, essas crianças tendem a ser mais passivas e com pouca capacidade de exploração do ambiente que os rodeia. Interagem pouco, mostram-se menos interessados aos estímulos ao seu redor, tanto verbais como não-verbais. Apresentam um leve atraso no desenvolvimento das habilidades motoras e da marcha. Sua coordenação motora é pobre, com quedas freqüentes. Devido a essas características, no período pré-escolar podem ser erroneamente diagnosticados como hiperativos. Mostram também dificuldades nas áreas relacionadas às atividades de vida diária (AVD) como, por exemplo: alimentar-se, vestir-se, abotoar, dar laço nos sapatos. A aquisição das habilidades pré-acadêmicas, como colorir e recortar, também ficam prejudicadas. No início dos anos escolares apresentam dificuldades no reconhecimento e cópia das letras e numerais, aprender a sequência numérica e nas áreas preferencialmente manipulativas, como desenhar e pintar. As crianças com TANV superam estas dificuldade mediante a prática e repetição e podem desenvolver-se dentro de um nível quase normal. Apresenta também dificuldades no aprendizado da leitura, escrita e matemática, associado às dificuldades no reconhecimento das letras e números, visto que o início da aquisição destas áreas está relacionado aos aspectos visuo-espaciais. Estas dificuldades são mais evidentes na resolução de problemas e no cálculo operacional, especialmente se existe um conteúdo de representação visuo-espacial. As habilidades em operações mais mecânicas, como tabuadas, são preservadas. Outros déficits das crianças com TANV estão relacionados ao conceito de tempo, com dificuldade para aprender horas, principalmente em relógios analógicos, reconhecer os dias da semana, meses e anos, aquisição do conceito de dinheiro e das medidas métricas. Os problemas espaciais e de coordenação repercutem nas atividades como desenho, mapas e atividades manuais em geral. Na escola secundária os problemas aparecem naquelas atividades que dependem de linguagem mais complexa, baseada em processos não verbais, como nas relações espaciais (como física), classificação e sequência lógica (habilidades necessárias para a redação). Em relação à linguagem verbal, apresentam linguagem fluída, aprosódica e com pouco conteúdo. Em contraste, as habilidades de leitura são boas, porém com dificuldade na compreensão. É comum a disgrafia. Em geral, as crianças com outros transtornos de aprendizados, distintos do TANV, tem dificuldades na fala, leitura e escrita, e estas dificuldades chamam a atenção a partir dos primeiros anos escolares. Porém, quando estas dificuldades são devidas às habilidades não-verbais, o problema pode passar despercebido, e isso pode estar relacionado ao diagnóstico tardio na maioria das crianças com TANV.
Diagnóstico
A Avaliação Neuropsicológica (ANP) das crianças com TANV mostra uma discrepância de pontuação entre a escala verbal e a de execução no Teste de WISC que, segundo Mc Donough-Ryan et AL (2002), estaria diretamente relacionado com as deficiências na resolução de problemas, aspecto relacionado com o funcionamento executivo. A maioria dos portadores de TANV mostra também diferenças evidentes no rendimento entre as provas de memória verbal e visual. Nas provas de memória visual mostram pontuações muito abaixo da normalidade, provavelmente devido às dificuldades visuo-espaciais e dos problemas de planejamento. Rourke (2002) afirma que naquelas tarefas que necessita de integração da informação visual, baseado em um significado contextual, a criança fixa-se em detalhes visuais, não compreendendo o significado da imagem como um todo (gestalt). Seu planejamento motor altera-se, o qual dificulta a compreensão, organização e finalização das tarefas, dificultando todas as áreas do processamento simultâneo. Kaplan (1990) afirma que o funcionamento da linguagem destas crianças é confuso já que, apesar de apresentarem boas habilidades verbais automáticas (memória e uso de sintaxe), transmitindo a sensação de terem boa competência lingüística, a capacidade comunicativa é pobre. Algumas crianças podem apresentar atraso de linguagem por problemas pragmáticos e de prosódia. Uma porcentagem importante de crianças com TANV apresentam também problemas comportamentais, como visto pelo CBCL (Child Behavior Checklist). Os resultados tendem a mostrar pontuações elevadas nas escalas de ansiedade e depressão, problemas de conduta, problemas sociais e déficit de atenção.
LIMITES ENTRE O TANV E A SÍNDORME DE ASPERGER (SA)
Muitas características que são descritas para o TANV superpõem-se às do Transtorno do Espectro do Autismo de alto funcionamento (anteriormente descrita na classificação do DSM-4 como Síndrome de Asperger). Além disso, o TANV e a SA apresentam graus variados de gravidade do mesmo contínuo neurocognitivo. Pode-se afirmar que uma parte das crianças com TANV preenchem critérios do DSM-4 para a SA. Porém, nem todos mostram déficits sociais tão graves. No TANV não é habitual que apresentem rotinas e comportamentos estereotipados, e padrões incomuns de linguagem tão marcados como na SA. Pelo contrário, um dos componentes mais característicos do TANV é o déficit visuo-espacial, incomum em crianças com SA.
TRATAMENTO DO TANV
O mais indicado é que a intervenção seja realizada por uma equipe interdisciplinar, englobando os aspectos psicológicos, pedagógicos e fonoaudiológicos, quando necessário. Os profissionais da equipe devem atuar de maneira coordenada, juntamente com a orientação do médico responsável pelo diagnóstico e acompanhamento clínico, com o uso de medicações, quando necessário. A linha psicológica mais indicada, de acordo com a literatura, é a terapia cognitivo-comportamental, ou mesmo outras técnicas que permitam o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e de habilidades sociais. Ajudar crianças e adolescentes com TANV a reconhecer suas capacidades e habilidades para que aprendam a usar estratégias apropriadas, desenvolvam boa auto-estima e se tornem autônomos é o que se espera da família, da escola e de todos os profissionais que trabalham com eles. Cabe a todos os profissionais envolvidos com a educação e com a saúde mental estarem atentos para os sintomas característicos do TANV, mobilizando seus esforços na identificação precoce e no tratamento adequado, evitando que os alunos portadores experimentem, ano após ano, o fracasso acadêmico e pessoal com danos severos para sua auto-estima.
BIBLIOGRAFIA:
1. Rigau-Ratera E, García-Nonell C, Artigas-Pallarés J. Características del trastorno de aprendizaje no verbal. REV NEUROL 2004; 38 (Supl 1): S33-S38
2. Sennyey AL Capovilla FC Montiel JM. Transtornos de aprendizagem da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, 2008.
3. Asperger Syndrome or High-Functioning Autism? editado por Eric Schopler,Gary B. Mesibov,Linda J. Kunce

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CRIANÇA DESAFIANTE
O QUE É O TRANSTORNO OPOSITIVO-DESAFIANTE?
Quando o comportamento de uma criança é frequentemente rebelde e desafiante, ela pode ser diagnosticada como sendo portadora do Transtorno Opositivo-Desafiante.
Mas aí ocorrem alguns fatores de confusão diagnóstica. Mas antes, vamos ver quais são os “critérios diagnósticos” para o TOD definido pelo Manual de Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5):
A criança apresenta um padrão de comportamento negativista, hostil e desafiante que dure, pelo menos, 6 meses, durante o qual 4 ou mais dos sintomas abaixo estão presentes:
1.    Muitas vezes perde a calma
2.    Freqüentemente discute com adultos
3.    Muitas vezes ativamente desafia ou se recusa a cumprir as regras ou comandos dos adultos
4.    Muitas vezes incomoda as pessoas deliberadamente
5.    Muitas vezes culpa os outros por seus próprios erros ou mau comportamento
6.    É suscetível ou facilmente aborrecido pelos outros
7.    Frequentemente apresenta raiva e ressentimento
8.    Frequentemente é  rancoroso ou vingativo
Pelo que podemos concluir, uma criança com TOD é uma criança “mal-educada”, respondona, metida, birrenta e rebelde.
Este padrão de comportamento é uma doença? É decorrente de uma educação ineficiente? É uma associação entre uma educação mal conduzida em uma criança de temperamento difícil? Ou é só uma criança difícil de lidar?
Na verdade, o diagnóstico do TOD é feito a partir de um conjunto de comportamentos, mas as causas são multifatoriais, ou seja, diversos fatores, desde a genética até problemas na educação, podem estar por trás do quadro clínico. O fator complicador é que raramente uma criança tem um TOD isolado. Segundo 2 famosos pesquisadores de Harvard (Faraone e Biederman) o TOD é uma patologia que raramente vem sozinha:
  • 80% destas crianças também tem TDAH.
  • 30% tem Depressão Severa associada.
  • 20% tem Transtorno Bipolar.
  • 21 % das crianças com TOD tem um Transtorno de Linguagem.
  • 38% destas crianças tem um Transtorno de Ansiedade.
A pergunta é: com tamanha comorbidade (80% das crianças com TOD tem TDAH, enquanto 60% das crianças com TDAH tem TOD) o TOD é uma doença em si ou é um conjunto de comportamentos que decorrem de outras patologias?
Não há uma resposta única ou concensual para esta pergunta. Entretanto, precisamos ajudar estas crianças e seus pais. O que, então, pode ser feito na prática clínica quando uma criança tem estas características?
É muito importante que a criança seja avaliada na sua totalidade, já que a definição de um ou mais diagnósticos é importante, não pelos rótulos ou nomes de cada doença, mas porque através da definição dos diagnósticos e dos sintomas mais proeminentes, podemos definir o melhor e mais efetivo tratamento.
Por exemplo, se uma criança tem TOD puro, sem comorbidades, o tratamento preferencial é terapia comportamental e treinamento de pais. Entretanto, se esta criança também for portadora de TDAH, o tratamento comportamental ou psicoterápico sozinho não vai funcionar, já que um grande estudo sobre o TDAH, o MTA (Multimodal Treatment of Attention Deficit and Hyperactivity Disorder), mostrou que os sintomas centrais do TDAH só melhoram com medicação. Além disso, crianças com TOD costumam apresentar comorbidades como transtornos de ansiedade, depressão e problemas de aprendizagem ou de linguagem. TRATAR O TOD, SEM ABORDAR AS COMORBIDADES, VAI TRAZER RESULTADOS INSATISFATÓRIOS.
Por isto em nossa clínica, a avaliação é abrangente. Reunimos informações dos pais e professores, bem como diretamente com a criança. A coleta ampla de informações vai ajudar o médico a determinar com que freqüência os comportamentos ocorrem e a determinar a forma como estes comportamentos afetam as diferentes áreas da vida da criança. A avaliação também visa definir:
  • Se o comportamento é leve, moderado ou grave
  • Se os conflitos são com os colegas ou figuras de autoridade
  • Se o comportamento pode ser resultado de situações de estresse dentro de casa ou na escola
  • Se criança reage negativamente a todas as figuras de autoridade, ou apenas aos seus pais
  • Se a educação pouco efetiva dos pais pode ser uma das causas do problema
  • Se há outras patologias associadas
  • Se o tratamento vai exigir medicação, treinamento de pais ou ambos
Ferramentas de avaliação, tais como escalas e questionários, podem nos ajudar a medir a gravidade dos comportamentos. Estas ferramentas também podem auxiliar no estabelecimento de um diagnóstico e no acompanhamento do progresso com o tratamento. Testes neurocognitivos são importantes quando há suspeita de alguns transtornos cognitivos, como problemas na linguagem, coordenação motora, transtornos de aprendizado ou déficit de atenção.
Transtorno de Conduta (TC)
O Transtorno de Conduta envolve comportamentos mais graves, incluindo agressão contra pessoas ou animais, destruição de propriedade, mentiras frequentes, roubo, fuga de casa, faltas às aulas e um padrão de comportamento caracterizado por ausência de culpa ou remorso.
Os comportamentos associados ao Transtorno de Conduta  são freqüentemente descritos como “maldosos” ou delinqüência.
As crianças que apresentaram esses comportamentos devem receber uma avaliação abrangente. Crianças e adolescentes com TDAH e TC têm vidas ainda mais complicadas e piores resultados piores do que crianças apenas com TDAH.

TANV

TRANSTORNO DE APRENDIZADO NÃO-VERBAL (TANV)
Transtorno de aprendizagem não-verbal (TANV) é uma síndrome neurológica que consiste em déficits específicos. Ocorre um desenvolvimento normal ou precoce da fala e vocabulário, atenção aos detalhes, aprendizagem normal ou precoce da leitura e escrita. Além disso, estes indivíduos têm boa capacidade de se expressarem verbalmente e uma memória auditiva forte.
Crianças com TANV apresentam quatro grandes categorias de déficits: 

• MOTRICIDADE: falta de coordenação, problemas de equilíbrio e dificuldades nas habilidades grafomotoras, ou seja, na coordenação motora da escrita. 

• HABILIDADES VISUOESPACIAIS: habilidades visuoperceptivas e espaciais deficitárias, por exemplo, dificuldade em lidar com quebra-cabeças, labirintos, mapas, em copiar figuras mais elaboradas e montar objetos. Também apresentam memória visual pobre.

• SOCIAL: Dificuldade em compreender a comunicação não verbal, dificuldade de adaptação às transições e situações novas, déficits no julgamento e interação social.

• SENSORIAL: déficits na percepção sensorial visual, auditiva e tátil.

A matemática é uma área em que crianças com TANV apresentam mais dificuldade.
FIGURA COMPLEXA DE REY
Figura Complexa de Rey - imagem original

Cópia feita por uma criança com Transrotno Não-Verbal do Aprendizado.

REVISTA PSICOPEDAGOGIA

A Revista Psicopedagogia , em sua edição de no.84, editada pela ABPp- Associação Brasileira de Psicopedagogia - agora inteiramente online, pode ser lida, na íntegra, a partir do site da ABPp (www.abpp.com.br), onde também estão disponíveis as Normas de Publicação para que novos artigos sejam encaminhados. 

Transtorno não verbal

Psicopedagogia

Transtorno não Verbal

TANV é um dos problemas que mais têm mobilizado educadores, pois se trata de uma desordem neurológica profunda, crônica, causada por disfunções cerebrais, que provocam déficits significativos

por Maria Irene Maluf



Crianças com transtornos de aprendizagem requerem especial atenção de seus professores durante a maior parte do seu percurso escolar.

Com a implantação da inclusão em nosso sistema de ensino, criou-se a necessidade de preparar (e rapidamente) os professores para atenderem às necessidades educativas especiais de seus alunos, já que uma parcela considerável desses profissionais não possuía (e parte ainda não possui), uma especialização acadêmica ou experiência que lhes ofereça condições para trabalhar com tal leque de desafios.

Entre os transtornos que hoje mais têm mobilizado a atenção dos educadores, está o Transtorno de Aprendizagem Não Verbal, o TANV, uma desordem neurológica profunda, crônica e que resulta em déficits significativos nos domínios cognitivo, social, emocional, psicomotor, espacial, tátil e visual , com grandes repercussões na aprendizagem e características que o tornam peculiarmente complexo no seu diagnóstico e intervenção. Segundo Rourke (1995) e Togenson (1993), esse transtorno atinge 1 em cada 10 crianças com problemas de aprendizagem ou 1% da população geral (Pennington, 1991).

Identificado por volta de 1960 por Jonhson & Myklebust, o TANV recebeu em 1970 de Byron Rourke a denominação atual. Seu reconhecimento tem sido lento devido à baixa incidência entre a população infantil, mas assim como o autismo, esse transtorno vem sendo mais estudado e identificado na atualidade, à medida em que os seus portadores passaram a frequentar as escolas regulares em maior número.

Ao contrário do que sugere seu nome, a compreensão da criança praticamente se restringe às atividades que se baseiam no domínio verbal, ainda que muitas vezes interprete erroneamente o que lhe é dito. Trata-se de uma síndrome na qual coexistem limitações funcionais e seus portadores necessitarão do apoio de uma equipe multidisciplinar para os atender nas suas diversas necessidades, que, inclusive, vão se alterar ao longo de suas etapas de desenvolvimento.

A sociedade tende a valorizar a capacidade mais expressiva de comunicação verbal das crianças, como um sinal de inteligência. Mas, no caso dos portadores de TANV, que nos anos iniciais da escolaridade se mostram precocemente desenvolvidos nesse quesito, tal competência de linguagem, característica do transtorno, deve ser antes compreendida como uma compensação de seus importantes déficits em outras áreas. Por outro lado, se aprendem a ler muito cedo é devido a sua facilidade de descodificação, uma habilidade relacionada ao hemisfério esquerdo do cérebro.

AO CONTRÁRIO DO QUE SUGERE O NOME, A COMPREENSÃO DA CRIANÇA PRATICAMENTE SE RESTRINGE ÀS ATIVIDADES QUE SE BASEIAM NO DOMÍNIO VERBAL, AINDA QUE, MUITAS VEZES, INTERPRETE ERRONEAMENTE O QUE LHE É DITO

Mas, em relação à compreensão da leitura, começam os problemas, já que esta exige uma interação individual com a linguagem escrita que envolve, além da compreensão do vocabulário e da ideia principal contida no texto, a identificação da informação relevante em oposição à irrelevante, assim como outros fatores que tornam essa habilidade mais difícil, especialmente para a criança com TANV, pois a compreensão da leitura é uma atividade do hemisfério direito e do cérebro no seu todo – áreas em que o portador desse transtorno apresenta déficits.

Em relação ao domínio cognitivo, a criança com TANV não demonstra desempenho apropriado à sua idade cronológica, em relação principalmente ao desenvolvimento da função executiva. Frequentemente mostra dificuldade para generalizar informações e, portanto, para aplicar conhecimentos anteriormente aprendidos a novas situações, revelando pouca flexibilidade mental diante de ideias novas. Socialmente, tem reduzida capacidade para interagir diante das normas sociais estabelecidas, assim como a se ajustar a uma nova ordenação.
Trabalhar com crianças e jovens com TANV, exige conhecer alguns princípios básicos:

• A sua aprendizagem exige instrução explícita e prática exaustiva. Vale atentar ao fato de que a linguagem oral bem desenvolvida não garante a capacidade de resolução de problemas e de formação de conceitos abstratos;

• Deve-se ensinar estratégias similares àquelas que seriam empregadas efetivamente em crianças muito mais novas e passo a passo, para lidar com situações problemáticas que ocorrem diariamente;

• Aprimorar as habilidades visioespaciais, visuocontrutivas e analíticas;

• Procurar desenvolver a compreensão do comportamento não verbal alheio;

• Acompanhar a criança em situações pouco estruturadas mesmo em brincadeiras com outras crianças, quando ainda não estiver preparada e procurar trabalhar conjuntamente outros aspectos como, por exemplo, a coordenação motora;

• Permitir e incentivar o uso de suportes adequados a idade como calculadora, relógio digital, computadores, etc.

Ajudar crianças e adolescentes com TANV a reconhecer suas capacidades e habilidades para que aprendam a usar estratégias apropriadas, desenvolvam boa auto-estima e se tornem autônomos é o que se espera da família, da escola e de todos os profissionais que trabalham com seus portadores. Para isso, não basta boa vontade: o conhecimento científico do Transtorno é imprescindível, como aliás o é, em todos os Transtornos de Aprendizagem.