segunda-feira, 4 de abril de 2016

Transtorno do Aprendizado Não-Verbal (TANV)
O Transtorno de Aprendizado não- Verbal (TANV) é um tipo específico de transtorno de aprendizado, pouco divulgado e não reconhecido pelos critérios do DSM-5 e, assim, carente de estudos epidemiológicos. É um transtorno neurológico crônico, provavelmente resultante de uma alteração nas funções cognitivas do hemisfério cerebral direito, e que resulta em déficits significativos nos domínios cognitivo, social, emocional, psicomotor, espacial, tátil e visual, com grandes repercussões na aprendizagem e características que o tornam complexo no seu diagnóstico e intervenção. Segundo Rourke (1995) e Togenson (1993), esse transtorno atinge 1 em cada 10 crianças com problemas de aprendizagem ou 1% da população geral (Pennington, 1999).
As primeiras descrições do TANV foram feitas por Jonson & Myklebust (1971). Estes autores descreveram um grupo de crianças com dificuldades para compreender o significado do contexto social e com pouca habilidade para o aprendizado acadêmico. Estas dificuldades manifestavam-se por: problemas para a interpretação de gestos, expressões faciais e outros elementos comunicativos não verbais habituais. É uma síndrome que se caracteriza por déficits primários na percepção táctil e visual, coordenação motora e na capacidade para lidar com material ou com circunstâncias novas. Em conseqüência, aparecem dificuldades no aprendizado (memória táctil e visual) e em funções executivas (formação de conceitos, resolução de problemas, raciocínio abstrato e velocidade de processamento da informação), o que resulta em dificuldades acadêmicas e socioemocionais. Para entender o perfil neurocognitivo destas crianças é preciso prestar atenção, não só aos seus déficits, mas também às suas habilidades preservadas. Visto que a função do hemisfério esquerdo não está afetada, preserva-se à percepção, atenção e memória por via auditiva, especialmente para o material apresentado por via auditiva, e as habilidades motoras simples. Assim, certas habilidades acadêmicas não só estão presentes, mas podem até serem superiores. Estes padrões característicos de déficits e habilidades preservadas evidenciam-se em outros aspectos da aprendizagem formal acadêmica; Por ex, obtém bom rendimento para a leitura de palavras simples e na ortografia, mas apresentam dificuldades em matérias como ciências e aritmética. As deficiências presentes na percepção social, juízo e habilidades de interação social são também conseqüência dos déficits neuropsicológicos, predispondo-os a problemas emocionais. Algumas das áreas de maior preocupação são os problemas sociais e emocionais, resultantes das dificuldades no processamento espacial e informações não verbais, provocando falhas e má interpretação dos sinais sociais sutis vinculados a comunicação não-verbal. Assim, as crianças com TANV têm dificuldade para compreender as expressões faciais, gestos e tons de voz, podendo resultar em isolamento social. Algumas crianças tentam compensar seu isolamento social interagindo unicamente com adultos, devido às suas habilidades verbais preservadas e, às vezes, superiores às crianças de sua idade. Do ponto de vista acadêmico, portadores do TANV apresentam dificuldades na compreensão da leitura, nos conceitos matemáticos, na resolução de problemas, na teoria e nos conceitos científicos. Os conceitos são facilmente entendidos quando concretos, objetivos e simples, mas quando começam a requerer a análise e integração mais complexa, o entendimento fica comprometido. Apesar das dificuldades nestas áreas, apresentam habilidades preservadas na decodificação da leitura e memória verbal. Alguns são leitores fluentes e dominam um extenso vocabulário. Outras características clínicas, de acordo com Sennyey, Capovilla e Montiel (2008), são: problemas de organização viso-espacial (não conseguem distinguir rapidamente as diferenças entre formas, tamanhos, quantidades e comprimentos e apresentam dificuldade em calcular distâncias); déficits na coordenação motora, sobretudo as de motricidade fina e equilíbrio (dificuldade, por exemplo, para aprender a andar de bicicleta, para amarrar os cadarços dos sapatos e com atividades esportivas); dificuldades em compreender ou julgar situações sociais; dificuldades em compreender linguagem corporal e expressões faciais; dificuldades em se ajustar a situações novas e complexas; déficits aritméticos e na compreensão de leitura; fala repetitiva, com entonação e modulação do volume pobre; dificuldades na formação de conceitos complexos; Apesar de haver motivação para a interação social, os portadores apresentam comprometimento das habilidades básicas necessárias para sustentação das relações interpessoais. A severidade do quadro será determinada de acordo com a intensidade dos sintomas, ou seja, graus dentro de um espectro de intensidade.
ETIOLOGIA
O TANV parece ser uma síndrome neurológica resultante de um dano ou déficit funcional das conexões da substância branca do Hemisfério Cerebral Direito (HCD), importantes para a integração intermodal. Rourke (2002) propôs o primeiro modelo etiológico, baseado na avaliação neuropsicológica, mostrando uma discrepância entre o HCD e o Hemisfério Cerebral Esquerdo (HCE) em crianças portadoras do TANV. Em um estudo de Rourke (1998), postulou-se que as conexões cortico-subcorticais da substância branca poderiam ser importantes para a manutenção das funções do HCD, demonstrado por exames de neuroimagem de pacientes com TANV que apresentavam anomalias sutis da substância branca cerebral.
Manifestações Clínicas do TANV durante o Neurodesenvolvimento
Nos primeiros anos de vida, essas crianças tendem a ser mais passivas e com pouca capacidade de exploração do ambiente que os rodeia. Interagem pouco, mostram-se menos interessados aos estímulos ao seu redor, tanto verbais como não-verbais. Apresentam um leve atraso no desenvolvimento das habilidades motoras e da marcha. Sua coordenação motora é pobre, com quedas freqüentes. Devido a essas características, no período pré-escolar podem ser erroneamente diagnosticados como hiperativos. Mostram também dificuldades nas áreas relacionadas às atividades de vida diária (AVD) como, por exemplo: alimentar-se, vestir-se, abotoar, dar laço nos sapatos. A aquisição das habilidades pré-acadêmicas, como colorir e recortar, também ficam prejudicadas. No início dos anos escolares apresentam dificuldades no reconhecimento e cópia das letras e numerais, aprender a sequência numérica e nas áreas preferencialmente manipulativas, como desenhar e pintar. As crianças com TANV superam estas dificuldade mediante a prática e repetição e podem desenvolver-se dentro de um nível quase normal. Apresenta também dificuldades no aprendizado da leitura, escrita e matemática, associado às dificuldades no reconhecimento das letras e números, visto que o início da aquisição destas áreas está relacionado aos aspectos visuo-espaciais. Estas dificuldades são mais evidentes na resolução de problemas e no cálculo operacional, especialmente se existe um conteúdo de representação visuo-espacial. As habilidades em operações mais mecânicas, como tabuadas, são preservadas. Outros déficits das crianças com TANV estão relacionados ao conceito de tempo, com dificuldade para aprender horas, principalmente em relógios analógicos, reconhecer os dias da semana, meses e anos, aquisição do conceito de dinheiro e das medidas métricas. Os problemas espaciais e de coordenação repercutem nas atividades como desenho, mapas e atividades manuais em geral. Na escola secundária os problemas aparecem naquelas atividades que dependem de linguagem mais complexa, baseada em processos não verbais, como nas relações espaciais (como física), classificação e sequência lógica (habilidades necessárias para a redação). Em relação à linguagem verbal, apresentam linguagem fluída, aprosódica e com pouco conteúdo. Em contraste, as habilidades de leitura são boas, porém com dificuldade na compreensão. É comum a disgrafia. Em geral, as crianças com outros transtornos de aprendizados, distintos do TANV, tem dificuldades na fala, leitura e escrita, e estas dificuldades chamam a atenção a partir dos primeiros anos escolares. Porém, quando estas dificuldades são devidas às habilidades não-verbais, o problema pode passar despercebido, e isso pode estar relacionado ao diagnóstico tardio na maioria das crianças com TANV.
Diagnóstico
A Avaliação Neuropsicológica (ANP) das crianças com TANV mostra uma discrepância de pontuação entre a escala verbal e a de execução no Teste de WISC que, segundo Mc Donough-Ryan et AL (2002), estaria diretamente relacionado com as deficiências na resolução de problemas, aspecto relacionado com o funcionamento executivo. A maioria dos portadores de TANV mostra também diferenças evidentes no rendimento entre as provas de memória verbal e visual. Nas provas de memória visual mostram pontuações muito abaixo da normalidade, provavelmente devido às dificuldades visuo-espaciais e dos problemas de planejamento. Rourke (2002) afirma que naquelas tarefas que necessita de integração da informação visual, baseado em um significado contextual, a criança fixa-se em detalhes visuais, não compreendendo o significado da imagem como um todo (gestalt). Seu planejamento motor altera-se, o qual dificulta a compreensão, organização e finalização das tarefas, dificultando todas as áreas do processamento simultâneo. Kaplan (1990) afirma que o funcionamento da linguagem destas crianças é confuso já que, apesar de apresentarem boas habilidades verbais automáticas (memória e uso de sintaxe), transmitindo a sensação de terem boa competência lingüística, a capacidade comunicativa é pobre. Algumas crianças podem apresentar atraso de linguagem por problemas pragmáticos e de prosódia. Uma porcentagem importante de crianças com TANV apresentam também problemas comportamentais, como visto pelo CBCL (Child Behavior Checklist). Os resultados tendem a mostrar pontuações elevadas nas escalas de ansiedade e depressão, problemas de conduta, problemas sociais e déficit de atenção.
LIMITES ENTRE O TANV E A SÍNDORME DE ASPERGER (SA)
Muitas características que são descritas para o TANV superpõem-se às do Transtorno do Espectro do Autismo de alto funcionamento (anteriormente descrita na classificação do DSM-4 como Síndrome de Asperger). Além disso, o TANV e a SA apresentam graus variados de gravidade do mesmo contínuo neurocognitivo. Pode-se afirmar que uma parte das crianças com TANV preenchem critérios do DSM-4 para a SA. Porém, nem todos mostram déficits sociais tão graves. No TANV não é habitual que apresentem rotinas e comportamentos estereotipados, e padrões incomuns de linguagem tão marcados como na SA. Pelo contrário, um dos componentes mais característicos do TANV é o déficit visuo-espacial, incomum em crianças com SA.
TRATAMENTO DO TANV
O mais indicado é que a intervenção seja realizada por uma equipe interdisciplinar, englobando os aspectos psicológicos, pedagógicos e fonoaudiológicos, quando necessário. Os profissionais da equipe devem atuar de maneira coordenada, juntamente com a orientação do médico responsável pelo diagnóstico e acompanhamento clínico, com o uso de medicações, quando necessário. A linha psicológica mais indicada, de acordo com a literatura, é a terapia cognitivo-comportamental, ou mesmo outras técnicas que permitam o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e de habilidades sociais. Ajudar crianças e adolescentes com TANV a reconhecer suas capacidades e habilidades para que aprendam a usar estratégias apropriadas, desenvolvam boa auto-estima e se tornem autônomos é o que se espera da família, da escola e de todos os profissionais que trabalham com eles. Cabe a todos os profissionais envolvidos com a educação e com a saúde mental estarem atentos para os sintomas característicos do TANV, mobilizando seus esforços na identificação precoce e no tratamento adequado, evitando que os alunos portadores experimentem, ano após ano, o fracasso acadêmico e pessoal com danos severos para sua auto-estima.
BIBLIOGRAFIA:
1. Rigau-Ratera E, García-Nonell C, Artigas-Pallarés J. Características del trastorno de aprendizaje no verbal. REV NEUROL 2004; 38 (Supl 1): S33-S38
2. Sennyey AL Capovilla FC Montiel JM. Transtornos de aprendizagem da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, 2008.
3. Asperger Syndrome or High-Functioning Autism? editado por Eric Schopler,Gary B. Mesibov,Linda J. Kunce

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